quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

NEVOU NA MINHA CIDADE!


Não estou falando de cidades do Sul do Brasil, onde os flocos de gelo eventualmente dão o ar de sua graça. Falo da “caliente” Santos, que continua linda e agora próspera, com: projetos de expansão portuária, exploração do pré-sal e melhoria da infraestrutura empresarial e turística, de lazer e cultura, a exemplo do que também acontece em toda Baixada Santista, Costa da Mata Atlântica, sem descuidar do meio ambiente.
Nevar em Santos?
Bem, é verdade que este ano tem sido bem mais ameno que os anteriores, com temperaturas e dias bastante agradáveis. De gelo, por aqui, só raríssimas chuvas de granizo.
Será que isso é efeito das alterações climáticas? Pode ser, mas daí a nevar por aqui ainda levaria um tempo razoável, que a gente prefere continuar vendo só em filmes de ficção científica.
Mas neve faz parte do imaginário dos povos tropicais, ainda mais em tempos natalinos. A gente pode adorar praia, mas sonha em, ao menos uma vez na vida tocar esses flocos mágicos, fazer um boneco de neve ou uma guerrinha de bolas. Confesso que, a primeira vez que vi uma nevada pareci um menino diante de um brinquedo novo, bonito e inesperado, embora soubesse que ela estaria lá, nos Alpes de um distante janeiro. Mesmo assim, quando minha mulher anunciou que um “shopping” da cidade “faria nevar” no sábado, e que não perderia isso por nada, apaixonada pelo Natal, meu lado cético, cartesiano, de engenheiro logo conclui, pragmaticamente, que a tal “neve” seria um jato d’água com detergente biodegradável, politicamente correto, e que haveria alguns riscos envolvidos, como: escorregadelas, ardor nos olhos e prejuízos irreparáveis aos penteados volumosos, a custa de litros de laquê, de algumas senhorinhas.
No horário quase preciso, lá estávamos nós, mulher filho e eu, diante do “shopping”, com todo aparato preparado: isolamento viário; policiamento, para evitar ação de “amigos do alheio”; Papai Noel; aparelhagem de som, entoando músicas de Natal, etc.
Olhei para a fachada do imponente edifício e, para minha satisfação científica, constatei vários dispositivos que, ratificando minha previsão, estavam lá, prontos para produzir suas micro-bolhas de sabão. Nada de surpreendente, a não ser o rosto iluminado de minha mulher - que sempre se renova – e brilho adolescente de meu filho, que nunca deixará de ser um menino aos meus olhos.
Quando o espetáculo mais do que anunciado começou, no entanto, o ceticismo científico abriu alas e caminho para o lado pueril, poético:
O céu estava limpo e não havia vento significativo, pelo quê a “neve” caía com um leve bailado. As pessoas aplaudiam, exclamavam, tiravam fotos. As crianças corriam para apanhar os “flocos” no ar. Pessoas se abraçam. Desconhecidos se falavam como não fosse assim. Os carros reduziam velocidade, os vidros eram abertos, todos com largos e surpresos sorrisos.
De repente, calçada, rua e cabelos estavam cobertos de neve. As senhorinhas dos volumosos penteados estavam lá, mas pouco se importaram com o “estrago” e ainda aproveitaram para ensaiar coreografias.
Até eu, em meio aqueles minutos de magia, tomei minha musa nos braços e dancei ao som de antigas canções.
Inegavelmente, foi uma ótima iniciativa de “marketing” do “shopping”! Mas, prefiro ser um pouco mais romântico e acreditar que é preciso sempre fugir da rotina, por mais previsível que for o evento, para nunca esquecermos que a vida é muito mais do que trabalho, regras, obrigações e compromissos.
Nevou em minha cidade, sim! E o calor humano aqueceu todos os corações!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor
Ouça textos do autor em: www.carosouvintes.org.br (Rádio Ativa)
Leia outros textos do autor e baixe gratuitamente os livros digitais: Sobre Almas e Pilhas e Dest Arte em: www.algbr.hpg.com.br
Conheça as músicas do autor em: br.youtube.com/adilson59

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sin perder la identidad

Certa vez, em Buenos Aires, quando ainda não tínhamos TV a cabo no Brasil, tive a oportunidade de assistir vários canais latinoamericanos. Além dos argentinos, havia uruguaios, chilenos, colombianos, venezuelanos pré-Chavez (o presidente, não o personagem humorístico... ou será que estou confundindo as coisas?) e por aí vai.
Também havia alguns canais brasileiros, o que serviu para lembrar que somos o único país da América Latina que fala português, em continente de colonização majoritariamente hispânica. Não é a toa que Hollywood insiste em ignorar nossa cultura, talvez por que simplesmente a desconheça, mesmo! No mais, aqui como nos EUA, a extensão territorial é tão gigantesca que não dá para falar numa “cultura” brasileira, pela miscigenação e diferenças entre regiões. O que nos diferencia - como aprendi desde os primeiros tempos de infância escolar - é esse mesmo idioma que nos “distancia” dos países que nos fazem fronteira: o português, falado em todos os cantos do Brasil, com regionalismos, sim, mas sem dialetos.
Talvez esse seja o verdadeiro “Milagre Brasileiro”!
Outro fator ao nosso favor é a índole do brasileiro:
Procuramos ser gentis com os estrangeiros, buscando entender o que falam e, até, falar de forma que entendam, mesmo que a recíproca nem sempre seja verdadeira. Conheço espanhóis que vivem há décadas no Brasil e continuam a falar o idioma de Cervantes como se ainda estivesse em terras de D. Juan Carlos. Ignorância, desprezo ou “lei do menor esforço”?
Talvez nos interpretem mal por essa constante tentativa de entender, explicar, conhecer e congraçar. No entanto, vejo nisso uma virtude que poucos povos do mundo têm: a de assimilar outros idiomas e culturas com uma facilidade marcante, o que nos coloca em posição de “ir para o mundo”: embaixadores da boa vontade!
A essa consciência e expectativa inata soma-se a necessidade profissional, movida a globalização. Assim, todo ano milhares de jovens ingressam em cursos de idiomas, fazem intercâmbio, vão estudar ou fazer estágios linguísticos no exterior. Jovens de um país emergente fazendo “imersão” idiomática pelo mundo afora!
Mas, ainda são poucos os que têm poder aquisitivo para isso, apesar da crescente oferta de bolsas de estudo por merecimento. A possibilidade de conhecer outros idiomas e culturas “in loco” seguramente seria uma semente que renderia bons frutos no solo fértil de mentes brilhantes, contribuindo para fomentar a paz mundial. No chão árido das cabecinhas de “filhinhos de papais”, no entanto, quase sempre só geram afetação, arrogância e esnobismo.
Haveria alternativa para essa imersão cultural, sem sair daqui? Bem, se o corpo e, principalmente, o bolso tem limites, esse não é o caso da mente, em absoluto!
É difícil falar o que segue quando está em pleno debate o aumento do percentual de produções nacionais nos canais pagos. De fato, precisamos de mais e, sobretudo, melhores programas brasileiros! Mas, não podemos ignorar o potencial da televisão como útil instrumento de imersão idiomática e cultural, ou seja, como meio de aprendizagem, embora ainda mal explorado nesse âmbito.
Também é preciso questionar o excesso de programas em inglês, mesmo nos “pacotes” básicos. Além disso, canais em outros idiomas implicam em custos adicionais, que podem torná-los proibitivos, elitistas.
Nesse sentido, a TV a cabo ou via satélite também deveria potencializar o aprendizado de outros idiomas, veiculando ao menos um canal em: francês, espanhol, italiano, árabe, chinês e alemão, por exemplo, mediante convênios com emissoras educativas dos países.
A internet já permite essa possibilidade, mas ainda falta uma abordagem pedagógica e de marketing desse potencial, selecionando e programando de forma atraente, instigadora e motivadora.
Não se trata de perder a identidade nacional, o que tem ocorrido mesmo em produções nacionais. Muitas delas, aliás, têm sido vetores da introdução de modismos estrangeiros de elevado interesse comercial, mas de qualidade moral e artística altamente duvidosa para a formação da juventude.
Não se trata de proibir ou censurar esse tipo de programação, mas de oferecer alternativas de qualidade.
Com a palavra: produtores, operadores, educadores, patrocinadores e, principalmente, legisladores e governantes.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quatro batalhas

Homem que é homem, não chora! Diz um estúpido e anacrônico ditado.

 Estúpido porque associa o choro, abençoado mecanismo orgânico, bom na tristeza e na alegria, à fraqueza masculina, esquecendo que o problema nunca esteve no chorar, mas no motivo do choro. Talvez por terem sido doutrinados a não chorar, alguns homens tornaram-se tão insensíveis que perderam a noção de humanidade.

Esse ditado também é anacrônico, pois, ao qualificar sensibilidade como fraqueza é tão ultrapassado como outro: “honrar as calças que veste”. Se fosse assim, gregos, romanos, escoceses e todos os que usam túnicas seriam, por princípio, desonrados. E o que dizer dos indígenas, então? Hábitos mudam com o tempo e não fazem o monge...

Isso é coisa tão antiga como aquela história do “fio de bigode”; ou como outra que dizia que homem de verdade faz barba com navalha; ou que “macho” que é “macho” fuma cigarro sem filtro; ou que o capitão nunca abandona o navio, se bem que, nesse caso, os “ratos” continuam sendo os primeiros a abandoná-los: navio e capitão. Mera aparência!

Ainda há pessoas que se impressionam e se submetem a lideranças rudes e arrogantes, que seguem essas tradições estúpidas e anacrônicas, ou criam suas próprias. A maioria delas, aliás, é “para inglês ver”, criando uma aura de fortaleza para ocultar imensos vazios morais e espirituais. Muitas delas até se armam para defender ideais, às vezes mal entendidos ou aplicados, até porque ideais precisam de abstração antes de concretizar mudanças. E elas só são duradouras quando conscientemente aceitas, nunca quando são impostas, por mais heróica que seja a defesa do ideal!

Não é à toa que mudanças culturais demoram gerações! As que ocorreram abruptas, radicais que sucederam radicais, foram violências que o tempo se encarregou de revidar, pois o rancor permaneceu represado, a espera que o prato esfriasse para vir à tona.

As guerras, grandes ou pequenas, geram esse tipo também anacrônico e estúpido de rancor, ranço egoísta. Egoísta porque muitos dos que escolheram lutá-las, vitoriosos ou derrotados, insistem em creditarem-se lendas e viverem delas, quando apenas fizeram o que decidiram fazer!
Qualquer “guerra” só é justa quando constrói pontes onde havia muralhas! Quando toma as pedras do caminho e as usa para pavimentá-lo! Quando consegue transformar sociedades injustas em igualitárias sem derramar uma única gota de sangue, sem disparar um único tiro, sem perder uma única alma! E suas vitórias duradouras!
Apesar de todos os percalços e ranços político-ideológicos, a história recente da democracia brasileira vem buscando trilhar esses caminhos, e já chega a um quarto de século! E desde que foi restabelecida, junto com a liberdade de imprensa, vem demonstrando vigor, apesar de continuar cheia de humanos defeitos, que não a desabonam enquanto ideal.

Já elegemos e reelegemos presidentes de idades e formações acadêmicas diferentes, e o medo deixou de permear nossos atos, substituído pelo bom senso e pela vontade de conhecer cada vez mais profundamente essa milenar senhora chamada democracia.

E porque essa crença não vê limites anacrônicos, agora é a vez de uma senhora dirigir os destinos do Brasil! Senhora que, depois de demonstrar fortaleza para enfrentar e vencer três batalhas - doença e dois turnos -, em vez de vangloriar-se com suas certezas, verteu lágrimas de agradecimento e conclamou ao diálogo, em nome de algo muito maior do que o egoísmo e a vaidade de alguns: o Brasil!

Dilma Roussef será presidenta de todos os brasileiros pelos próximos quatro anos: sua próxima batalha!
Espero que ela não siga nenhum dos ditados anacrônicos e estúpidos que mencionei não apenas por ser mulher, mas principalmente por ser mulher!

Que ela governe com razão e sensibilidade; que erre o mínimo possível, mas que saiba reconhecer seus erros e compartilhar seus acertos; que torne nosso país forte e autônomo, embora nunca arrogante; e que saiba ouvir todos os reclamos e conselhos, de onde quer que surjam, mas principalmente os que vêm diretamente do povo, pois é somente a ele que ela deve se reportar e servir!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor

De artista e louco...

De médico e de louco todo mundo tem um pouco!
Esta expressão está associada à obra de Stevenson, “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, que ganhou notoriedade ainda maior quando uma adaptação do cinema mudo escolheu como título “O Médico e o Monstro”.

No livro, o cientista criou uma fórmula para separar a razão do instinto, mas, em nome da dramaticidade, associou essa irracionalidade à amoralidade. Assim, esse passou a ser o imaginário da loucura. E os loucos em geral, muitos deles frutos do excesso de racionalidade ou da ação de outros “loucos”, passaram a ter um único destino: o hospício! E muitos manicômios ficaram famosos em função disso: “Ficou Pinel!”, “Teu lugar é no Juqueri”. Até música fizeram: “Brrrrum! Preciso me cuidar, senão eu vou pra Jacarepaguá!”. E muitos “loucos” passaram a ser classificados por conveniência:
Rebeldia virou loucura! Protestar contra poderosos também, afinal: “Manda quem pode. Obedece quem tem juízo. “Acesso de loucura” virou atenuante para crimes premeditados, mas ser “louco” também virou desculpa para afastar pessoas “indesejáveis” do convívio social, ou para atenuar os excessos das classes dominantes: “Pobre é louco. Rico é excêntrico”. No entanto, o médico Simão Bacamarte, da obra “O Alienista”, de Machado de Assis, ao perceber que quatro quintos da cidade eram internos em seu hospício, resolveu soltar todos e trancafiar os considerados “sãos”...

O fato é que, até bem pouco tempo, qualquer distúrbio ou limitação mental, sobretudo nas classes menos favorecidas, tinha como destino certo o manicômio, com direito a procedimentos que, em outras circunstâncias, seriam considerados tortura, desumanidade!
Então, recentemente, fui encarregado da programação de palestras do Rotary Club de Santos-Porto...
Pensei logo em convidar o Arte-Educador Renato di Renzo, que em 1989 revolucionou o Brasil com suas experiências no Hospital Anchieta, criando o Projeto “TAMTAM” (o tambor africano!).
Pensei que seria difícil, mas ele prontamente aceitou o convite, já escolhendo o tema: “TAMTAM: Saúde Mental, Arte e Cidadania”.
No dia, ele dispunha de apenas 15 minutos para sua apresentação... Poderia ter falado por horas!

Santista nato, ele confessou estar muito feliz em ali estar porque, passados mais de 20 anos da ação no Anchieta, tornada referência mundial, poucas vezes fora convidado a falar sobre seus projetos em sua cidade natal.
Depois, falou apaixonadamente sobre seus conceitos e crenças, lembrando que a loucura nada mais é do que uma paixão desenfreada, daquelas que quase todos já tivemos; instantes em que convenções perdem seu poder limitador, abrindo espaço para os instintos, quando a criatividade humana atinge seu ápice e a arte se manifesta em estado puro.
Sua proposta no Projeto TAMTAM, hoje transformado em ONG, é de usar manifestações artísticas, que tem seu quê de loucura em relação à realidade, como ponte terapêutica para fazer o caminho inverso, melhorando a qualidade de vida de milhares de pessoas, reintegrando-as à sociedade.
A repercussão dessa proposta foi tão significativa que fundamentou a lei antimanicomial em vigor!

Concluiu com sincera emoção, relatando seus outros projetos de arte-educação e resgate de cidadania, como o “E aí, beleza?”, que já levou ao palco do Teatro Coliseu gente que revelou jamais ter sonhado sequer passar diante dele, quanto mais nele atuar. Inclusão social!

Que belo trabalho, Renato! Que doida e contagiante paixão essa de ser louco por arte, pela arte e destarte transformar loucura em arte, auxiliando na cura, sem descartar, isolar ou continuamente dopar seres humanos!
Você mais do que nos provou que de médico, de artista e de louco todos precisamos ter um pouco!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor