quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Os três macacos

Durante a infância, uma bronquite asmática me impedia de brincar na rua. A alternativa era ficar em casa e ver televisão ou folhear revistas e jornais. Mas, aquelas figurinhas miúdas, que chamavam de letras, eram um empecilho: eu precisava decifrá-las!

Meu pai trabalhava em três períodos. Minha mãe tinha todos os afazeres da casa. Meus irmãos tinham a escola e, abençoados, podiam brincar na rua. Talvez por isso, não tinham muita paciência de ler para um pirralho analfabeto e desdentado, ícone do subdesenvolvimento natural. Que saco!
Aos cinco anos de idade resolvi proclamar minha independência: “Quero ir à escola!”.

Meus pais disseram que ainda era muito cedo, pois a idade mínima para a escola pública era sete anos. Mas, diante de minha postura irredutível, apelaram para a criatividade:
Recebi uma malinha e a Cartilha Sodré - que já haviam servido aos meus irmãos -, um caderno do MEC e um lápis, e fui matriculado na “Escola do Seu Manoel”, com direito a ditados, leituras e lições de casa. Meu pai “lecionava” enquanto almoçava!

De repente, as letras passaram a fazer sentido! Sopa de letrinhas passou a ser meu prato preferido e nem bulas e embalagens escaparam de minha “fúria revolucionária”!
Às figuras, uniram-se os balões de texto, que deram lugar às imagens, com textos de rodapé; que foram substituídos pelos textos, com figuras em páginas intermediárias,  até que, finalmente, bastaram os textos: a imaginação já se tornara mais poderosa do que o traço dos ilustradores!
A alfabetização liberta!
Assim, livre, os jornais passaram a fazer parte, indissolúvel, de minha vida. Neles, eu lia o que ouvia, no rádio, e via, na televisão, outros companheiros inseparáveis.

A informação instrumenta!
Essas múltiplas fontes de informação mostravam ora coerência ora discrepância. As diferenças geravam dúvida, desconfiança ou curiosidade, que estimulavam ao raciocínio; e as conclusões pessoais começaram a moldar a arte final desse processo.
A consciência não deixa escravizar! Ou, no mínimo, rejeita a escravidão!
Será por isso que só a quarta parte da população brasileira é plenamente alfabetizada?

Bem, frações pequenas não sugerem dramaticidade. Que tal assim:
Três quartos dos brasileiros são analfabetos plenos ou funcionais, ou seja, não entendem o que lêem e mal sabem expressar suas idéias!
Isso não quer dizer, absolutamente, que 25% são expertos e 75% são tolos. Há uma enorme diferença entre ignorância e estupidez! Mas, de uma coisa não há dúvida: a alfabetização, a informação e o senso crítico são os antídotos para a ignorância, e os principais instrumentos para o desenvolvimento autônomo de um país!
Por isso a imprensa precisa ser livre!

A sociedade precisa do jornalismo investigativo, sério, independente e responsável para alimentá-la de dados que permitam análise e conclusão! Isso não deve ser cerceado, mas incentivado e assegurado pelas instituições, que também devem promover e prover educação e cultura para o povo!
Analfabetismo, ignorância, segredo e censura lembram a clássica figura dos três macacos: “Não falo! Não ouço! Não vejo!”.

Privados desses sentidos, não pensar é uma consequência quase inevitável! É quando o povo, em vez de macacos mudos, surdos e cegos, vira cordeiro, sacrificado todos os dias no sacrílego altar da violência e da corrupção institucionalizadas!

A democracia nunca existirá e ninguém jamais poderá se arvorar democrata enquanto promover, ignorar ou aceitar essas circunstâncias!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ridiculous again

Emerson Fittipaldi, em sua primeira temporada na F1, em 1970, deu o título de campeão ao seu companheiro de equipe, Jochen Rindt.
Isso parece familiar, não? Mas vale o seguinte esclarecimento:
Emerson batera o carro de Rindt num treino e cedeu o seu ao austríaco, claramente primeiro piloto da equipe Lotus e líder do campeonato, correr o GP de Monza. Rindt morreu, num acidente. Na última prova, Fittipaldi, que já vinha em ascensão, venceu sua primeira corrida, assegurando a Rindt o título, póstumo!
Eram os tempos românticos da F1, quando os pilotos mostravam que eram bons na pista. Época em que o Brasil surpreendia o “Primeiro Mundo”, desinformado e arrogante, com um piloto jovem, cerebral, genial!
Esse início foi muito bem seguido por José Carlos Pace, apesar da fama de azarado. Piquet, meu favorito, superou quase tudo para ser um dos maiores pilotos da história, intempestivo, briguento, voraz. Senna, que já havia conseguido muito – apesar de Prost -, não teve a paciência de Schumacher para esperar a Ferrari voltar a ser grande: preferiu a Williams...
A morte de Senna nos tirou do “olimpo” da F1, sem que houvesse um sucessor a sua altura. Será que era querer demais?
Sem desmerecer os dois vice-campeonatos de Rubinho, e um, de Felipe, o Brasil desceu aos infernos desse esporte. Massa, em 2008, esteve muito próximo de conquistar um merecido título mundial, mas foi prejudicado pela absurda negligência da Ferrari, em duas corridas. Depois, em 2009, sua ascensão foi tolhida por uma porca do carro de Rubinho: “porca miséria!”, como dizem os italianos.
O GP de Hockenheim, no entanto, parece mostrar que definitivamente fomos relegados à condição subalterna, humilhante, na F1:
Rubinho, na Ferrari, já havia cumprido ordens da equipe para deixar Schumi passar, “for the championship” (pelo campeonato), como ordenou Jean Todt, em 2002; Nelsinho Piquet protagonizou um lamentável episódio, em 2009, para beneficiar Alonso; e, agora, mais uma vez com um brasileiro, Alonso e Ferrari, Massa recebeu, pausadamente, a “informação” de que o espanhol estava mais rápido do que ele, pouco depois de mostrar que poderia estar à frente, e bem, desse inegavelmente bom piloto, mas extremamente arrogante e deselegante. Embora seja impossível afirmar o sentido do “Ridiculous!” de Alonso - a menos que ele próprio seja honesto em explicá-lo -, um piloto de alto nível reclamaria de uma defesa tecnicamente bem feita de uma posição?
É... Parece que temos um “karma” com espanhóis e pistas, sejam de aeroportos ou corrida... E com a Ferrari, também!
Massa é um piloto brasileiro e não o Brasil. Ele tem uma profissão, responsabilidades contratuais e contas para pagar. Sua carreira é um problema exclusivamente dele!
Mas o que dizer de nós, que ligamos a televisão, o rádio ou o computador na internet, aos domingos, para acompanhar uma competição e torcer por um brasileiro? Dá para fazer isso com um mínimo de motivação ou esperança de vitória quando seu companheiro de equipe estiver atrás, não necessariamente “na cola”?
“Ridiculous”, sim, tem sido acompanhar a F1 nos últimos 16 anos, e ter como única expectativa a de que alguém responda, pelo rádio do “cockpit”, para glória do esporte: - “Enough!” (chega!).
Mas também devemos refletir: e se fosse o contrário?
Por isso é que tenho saudades de Emerson, Piquet e Senna; e de Jackie Stewart e Nick Lauda, também! Esses, sim, eram esportistas: pilotos que sabiam acertar máquinas e ganhar por mérito!