quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

NEVOU NA MINHA CIDADE!


Não estou falando de cidades do Sul do Brasil, onde os flocos de gelo eventualmente dão o ar de sua graça. Falo da “caliente” Santos, que continua linda e agora próspera, com: projetos de expansão portuária, exploração do pré-sal e melhoria da infraestrutura empresarial e turística, de lazer e cultura, a exemplo do que também acontece em toda Baixada Santista, Costa da Mata Atlântica, sem descuidar do meio ambiente.
Nevar em Santos?
Bem, é verdade que este ano tem sido bem mais ameno que os anteriores, com temperaturas e dias bastante agradáveis. De gelo, por aqui, só raríssimas chuvas de granizo.
Será que isso é efeito das alterações climáticas? Pode ser, mas daí a nevar por aqui ainda levaria um tempo razoável, que a gente prefere continuar vendo só em filmes de ficção científica.
Mas neve faz parte do imaginário dos povos tropicais, ainda mais em tempos natalinos. A gente pode adorar praia, mas sonha em, ao menos uma vez na vida tocar esses flocos mágicos, fazer um boneco de neve ou uma guerrinha de bolas. Confesso que, a primeira vez que vi uma nevada pareci um menino diante de um brinquedo novo, bonito e inesperado, embora soubesse que ela estaria lá, nos Alpes de um distante janeiro. Mesmo assim, quando minha mulher anunciou que um “shopping” da cidade “faria nevar” no sábado, e que não perderia isso por nada, apaixonada pelo Natal, meu lado cético, cartesiano, de engenheiro logo conclui, pragmaticamente, que a tal “neve” seria um jato d’água com detergente biodegradável, politicamente correto, e que haveria alguns riscos envolvidos, como: escorregadelas, ardor nos olhos e prejuízos irreparáveis aos penteados volumosos, a custa de litros de laquê, de algumas senhorinhas.
No horário quase preciso, lá estávamos nós, mulher filho e eu, diante do “shopping”, com todo aparato preparado: isolamento viário; policiamento, para evitar ação de “amigos do alheio”; Papai Noel; aparelhagem de som, entoando músicas de Natal, etc.
Olhei para a fachada do imponente edifício e, para minha satisfação científica, constatei vários dispositivos que, ratificando minha previsão, estavam lá, prontos para produzir suas micro-bolhas de sabão. Nada de surpreendente, a não ser o rosto iluminado de minha mulher - que sempre se renova – e brilho adolescente de meu filho, que nunca deixará de ser um menino aos meus olhos.
Quando o espetáculo mais do que anunciado começou, no entanto, o ceticismo científico abriu alas e caminho para o lado pueril, poético:
O céu estava limpo e não havia vento significativo, pelo quê a “neve” caía com um leve bailado. As pessoas aplaudiam, exclamavam, tiravam fotos. As crianças corriam para apanhar os “flocos” no ar. Pessoas se abraçam. Desconhecidos se falavam como não fosse assim. Os carros reduziam velocidade, os vidros eram abertos, todos com largos e surpresos sorrisos.
De repente, calçada, rua e cabelos estavam cobertos de neve. As senhorinhas dos volumosos penteados estavam lá, mas pouco se importaram com o “estrago” e ainda aproveitaram para ensaiar coreografias.
Até eu, em meio aqueles minutos de magia, tomei minha musa nos braços e dancei ao som de antigas canções.
Inegavelmente, foi uma ótima iniciativa de “marketing” do “shopping”! Mas, prefiro ser um pouco mais romântico e acreditar que é preciso sempre fugir da rotina, por mais previsível que for o evento, para nunca esquecermos que a vida é muito mais do que trabalho, regras, obrigações e compromissos.
Nevou em minha cidade, sim! E o calor humano aqueceu todos os corações!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor
Ouça textos do autor em: www.carosouvintes.org.br (Rádio Ativa)
Leia outros textos do autor e baixe gratuitamente os livros digitais: Sobre Almas e Pilhas e Dest Arte em: www.algbr.hpg.com.br
Conheça as músicas do autor em: br.youtube.com/adilson59

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sin perder la identidad

Certa vez, em Buenos Aires, quando ainda não tínhamos TV a cabo no Brasil, tive a oportunidade de assistir vários canais latinoamericanos. Além dos argentinos, havia uruguaios, chilenos, colombianos, venezuelanos pré-Chavez (o presidente, não o personagem humorístico... ou será que estou confundindo as coisas?) e por aí vai.
Também havia alguns canais brasileiros, o que serviu para lembrar que somos o único país da América Latina que fala português, em continente de colonização majoritariamente hispânica. Não é a toa que Hollywood insiste em ignorar nossa cultura, talvez por que simplesmente a desconheça, mesmo! No mais, aqui como nos EUA, a extensão territorial é tão gigantesca que não dá para falar numa “cultura” brasileira, pela miscigenação e diferenças entre regiões. O que nos diferencia - como aprendi desde os primeiros tempos de infância escolar - é esse mesmo idioma que nos “distancia” dos países que nos fazem fronteira: o português, falado em todos os cantos do Brasil, com regionalismos, sim, mas sem dialetos.
Talvez esse seja o verdadeiro “Milagre Brasileiro”!
Outro fator ao nosso favor é a índole do brasileiro:
Procuramos ser gentis com os estrangeiros, buscando entender o que falam e, até, falar de forma que entendam, mesmo que a recíproca nem sempre seja verdadeira. Conheço espanhóis que vivem há décadas no Brasil e continuam a falar o idioma de Cervantes como se ainda estivesse em terras de D. Juan Carlos. Ignorância, desprezo ou “lei do menor esforço”?
Talvez nos interpretem mal por essa constante tentativa de entender, explicar, conhecer e congraçar. No entanto, vejo nisso uma virtude que poucos povos do mundo têm: a de assimilar outros idiomas e culturas com uma facilidade marcante, o que nos coloca em posição de “ir para o mundo”: embaixadores da boa vontade!
A essa consciência e expectativa inata soma-se a necessidade profissional, movida a globalização. Assim, todo ano milhares de jovens ingressam em cursos de idiomas, fazem intercâmbio, vão estudar ou fazer estágios linguísticos no exterior. Jovens de um país emergente fazendo “imersão” idiomática pelo mundo afora!
Mas, ainda são poucos os que têm poder aquisitivo para isso, apesar da crescente oferta de bolsas de estudo por merecimento. A possibilidade de conhecer outros idiomas e culturas “in loco” seguramente seria uma semente que renderia bons frutos no solo fértil de mentes brilhantes, contribuindo para fomentar a paz mundial. No chão árido das cabecinhas de “filhinhos de papais”, no entanto, quase sempre só geram afetação, arrogância e esnobismo.
Haveria alternativa para essa imersão cultural, sem sair daqui? Bem, se o corpo e, principalmente, o bolso tem limites, esse não é o caso da mente, em absoluto!
É difícil falar o que segue quando está em pleno debate o aumento do percentual de produções nacionais nos canais pagos. De fato, precisamos de mais e, sobretudo, melhores programas brasileiros! Mas, não podemos ignorar o potencial da televisão como útil instrumento de imersão idiomática e cultural, ou seja, como meio de aprendizagem, embora ainda mal explorado nesse âmbito.
Também é preciso questionar o excesso de programas em inglês, mesmo nos “pacotes” básicos. Além disso, canais em outros idiomas implicam em custos adicionais, que podem torná-los proibitivos, elitistas.
Nesse sentido, a TV a cabo ou via satélite também deveria potencializar o aprendizado de outros idiomas, veiculando ao menos um canal em: francês, espanhol, italiano, árabe, chinês e alemão, por exemplo, mediante convênios com emissoras educativas dos países.
A internet já permite essa possibilidade, mas ainda falta uma abordagem pedagógica e de marketing desse potencial, selecionando e programando de forma atraente, instigadora e motivadora.
Não se trata de perder a identidade nacional, o que tem ocorrido mesmo em produções nacionais. Muitas delas, aliás, têm sido vetores da introdução de modismos estrangeiros de elevado interesse comercial, mas de qualidade moral e artística altamente duvidosa para a formação da juventude.
Não se trata de proibir ou censurar esse tipo de programação, mas de oferecer alternativas de qualidade.
Com a palavra: produtores, operadores, educadores, patrocinadores e, principalmente, legisladores e governantes.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quatro batalhas

Homem que é homem, não chora! Diz um estúpido e anacrônico ditado.

 Estúpido porque associa o choro, abençoado mecanismo orgânico, bom na tristeza e na alegria, à fraqueza masculina, esquecendo que o problema nunca esteve no chorar, mas no motivo do choro. Talvez por terem sido doutrinados a não chorar, alguns homens tornaram-se tão insensíveis que perderam a noção de humanidade.

Esse ditado também é anacrônico, pois, ao qualificar sensibilidade como fraqueza é tão ultrapassado como outro: “honrar as calças que veste”. Se fosse assim, gregos, romanos, escoceses e todos os que usam túnicas seriam, por princípio, desonrados. E o que dizer dos indígenas, então? Hábitos mudam com o tempo e não fazem o monge...

Isso é coisa tão antiga como aquela história do “fio de bigode”; ou como outra que dizia que homem de verdade faz barba com navalha; ou que “macho” que é “macho” fuma cigarro sem filtro; ou que o capitão nunca abandona o navio, se bem que, nesse caso, os “ratos” continuam sendo os primeiros a abandoná-los: navio e capitão. Mera aparência!

Ainda há pessoas que se impressionam e se submetem a lideranças rudes e arrogantes, que seguem essas tradições estúpidas e anacrônicas, ou criam suas próprias. A maioria delas, aliás, é “para inglês ver”, criando uma aura de fortaleza para ocultar imensos vazios morais e espirituais. Muitas delas até se armam para defender ideais, às vezes mal entendidos ou aplicados, até porque ideais precisam de abstração antes de concretizar mudanças. E elas só são duradouras quando conscientemente aceitas, nunca quando são impostas, por mais heróica que seja a defesa do ideal!

Não é à toa que mudanças culturais demoram gerações! As que ocorreram abruptas, radicais que sucederam radicais, foram violências que o tempo se encarregou de revidar, pois o rancor permaneceu represado, a espera que o prato esfriasse para vir à tona.

As guerras, grandes ou pequenas, geram esse tipo também anacrônico e estúpido de rancor, ranço egoísta. Egoísta porque muitos dos que escolheram lutá-las, vitoriosos ou derrotados, insistem em creditarem-se lendas e viverem delas, quando apenas fizeram o que decidiram fazer!
Qualquer “guerra” só é justa quando constrói pontes onde havia muralhas! Quando toma as pedras do caminho e as usa para pavimentá-lo! Quando consegue transformar sociedades injustas em igualitárias sem derramar uma única gota de sangue, sem disparar um único tiro, sem perder uma única alma! E suas vitórias duradouras!
Apesar de todos os percalços e ranços político-ideológicos, a história recente da democracia brasileira vem buscando trilhar esses caminhos, e já chega a um quarto de século! E desde que foi restabelecida, junto com a liberdade de imprensa, vem demonstrando vigor, apesar de continuar cheia de humanos defeitos, que não a desabonam enquanto ideal.

Já elegemos e reelegemos presidentes de idades e formações acadêmicas diferentes, e o medo deixou de permear nossos atos, substituído pelo bom senso e pela vontade de conhecer cada vez mais profundamente essa milenar senhora chamada democracia.

E porque essa crença não vê limites anacrônicos, agora é a vez de uma senhora dirigir os destinos do Brasil! Senhora que, depois de demonstrar fortaleza para enfrentar e vencer três batalhas - doença e dois turnos -, em vez de vangloriar-se com suas certezas, verteu lágrimas de agradecimento e conclamou ao diálogo, em nome de algo muito maior do que o egoísmo e a vaidade de alguns: o Brasil!

Dilma Roussef será presidenta de todos os brasileiros pelos próximos quatro anos: sua próxima batalha!
Espero que ela não siga nenhum dos ditados anacrônicos e estúpidos que mencionei não apenas por ser mulher, mas principalmente por ser mulher!

Que ela governe com razão e sensibilidade; que erre o mínimo possível, mas que saiba reconhecer seus erros e compartilhar seus acertos; que torne nosso país forte e autônomo, embora nunca arrogante; e que saiba ouvir todos os reclamos e conselhos, de onde quer que surjam, mas principalmente os que vêm diretamente do povo, pois é somente a ele que ela deve se reportar e servir!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor

De artista e louco...

De médico e de louco todo mundo tem um pouco!
Esta expressão está associada à obra de Stevenson, “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, que ganhou notoriedade ainda maior quando uma adaptação do cinema mudo escolheu como título “O Médico e o Monstro”.

No livro, o cientista criou uma fórmula para separar a razão do instinto, mas, em nome da dramaticidade, associou essa irracionalidade à amoralidade. Assim, esse passou a ser o imaginário da loucura. E os loucos em geral, muitos deles frutos do excesso de racionalidade ou da ação de outros “loucos”, passaram a ter um único destino: o hospício! E muitos manicômios ficaram famosos em função disso: “Ficou Pinel!”, “Teu lugar é no Juqueri”. Até música fizeram: “Brrrrum! Preciso me cuidar, senão eu vou pra Jacarepaguá!”. E muitos “loucos” passaram a ser classificados por conveniência:
Rebeldia virou loucura! Protestar contra poderosos também, afinal: “Manda quem pode. Obedece quem tem juízo. “Acesso de loucura” virou atenuante para crimes premeditados, mas ser “louco” também virou desculpa para afastar pessoas “indesejáveis” do convívio social, ou para atenuar os excessos das classes dominantes: “Pobre é louco. Rico é excêntrico”. No entanto, o médico Simão Bacamarte, da obra “O Alienista”, de Machado de Assis, ao perceber que quatro quintos da cidade eram internos em seu hospício, resolveu soltar todos e trancafiar os considerados “sãos”...

O fato é que, até bem pouco tempo, qualquer distúrbio ou limitação mental, sobretudo nas classes menos favorecidas, tinha como destino certo o manicômio, com direito a procedimentos que, em outras circunstâncias, seriam considerados tortura, desumanidade!
Então, recentemente, fui encarregado da programação de palestras do Rotary Club de Santos-Porto...
Pensei logo em convidar o Arte-Educador Renato di Renzo, que em 1989 revolucionou o Brasil com suas experiências no Hospital Anchieta, criando o Projeto “TAMTAM” (o tambor africano!).
Pensei que seria difícil, mas ele prontamente aceitou o convite, já escolhendo o tema: “TAMTAM: Saúde Mental, Arte e Cidadania”.
No dia, ele dispunha de apenas 15 minutos para sua apresentação... Poderia ter falado por horas!

Santista nato, ele confessou estar muito feliz em ali estar porque, passados mais de 20 anos da ação no Anchieta, tornada referência mundial, poucas vezes fora convidado a falar sobre seus projetos em sua cidade natal.
Depois, falou apaixonadamente sobre seus conceitos e crenças, lembrando que a loucura nada mais é do que uma paixão desenfreada, daquelas que quase todos já tivemos; instantes em que convenções perdem seu poder limitador, abrindo espaço para os instintos, quando a criatividade humana atinge seu ápice e a arte se manifesta em estado puro.
Sua proposta no Projeto TAMTAM, hoje transformado em ONG, é de usar manifestações artísticas, que tem seu quê de loucura em relação à realidade, como ponte terapêutica para fazer o caminho inverso, melhorando a qualidade de vida de milhares de pessoas, reintegrando-as à sociedade.
A repercussão dessa proposta foi tão significativa que fundamentou a lei antimanicomial em vigor!

Concluiu com sincera emoção, relatando seus outros projetos de arte-educação e resgate de cidadania, como o “E aí, beleza?”, que já levou ao palco do Teatro Coliseu gente que revelou jamais ter sonhado sequer passar diante dele, quanto mais nele atuar. Inclusão social!

Que belo trabalho, Renato! Que doida e contagiante paixão essa de ser louco por arte, pela arte e destarte transformar loucura em arte, auxiliando na cura, sem descartar, isolar ou continuamente dopar seres humanos!
Você mais do que nos provou que de médico, de artista e de louco todos precisamos ter um pouco!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

DE ARTISTA E DE LOUCO

De médico e de louco todo mundo tem um pouco!

Esta expressão está associada à obra de Stevenson, "O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde", que ganhou notoriedade ainda maior quando uma adaptação do cinema mudo escolheu como título "O Médico e o Monstro".


No livro, o cientista criou uma fórmula para separar a razão do instinto, mas, em nome da dramaticidade, associou essa irracionalidade à amoralidade. Assim, esse passou a ser o imaginário da loucura. E os loucos em geral, muitos deles frutos do excesso de racionalidade ou da ação de outros "loucos", passaram a ter um único destino: o hospício! E muitos manicômios ficaram famosos em função disso: "Ficou Pinel!", "Teu lugar é no Juqueri". Até música fizeram: "Brrrrum! Preciso me cuidar, senão eu vou pra Jacarepaguá!". E muitos "loucos" passaram a ser classificados por conveniência:

Rebeldia virou loucura! Protestar contra poderosos também, afinal: "Manda quem pode. Obedece quem tem juízo. "Acesso de loucura" virou atenuante para crimes premeditados, mas ser "louco" também virou desculpa para afastar pessoas "indesejáveis" do convívio social, ou para atenuar os excessos das classes dominantes: "Pobre é louco. Rico é excêntrico". No entanto, o médico Simão Bacamarte, da obra "O Alienista", de Machado de Assis, ao perceber que quatro quintos da cidade eram internos em seu hospício, resolveu soltar todos e trancafiar os considerados "sãos"...

O fato é que, até bem pouco tempo, qualquer distúrbio ou limitação mental, sobretudo nas classes menos favorecidas, tinha como destino certo o manicômio, com direito a procedimentos que, em outras circunstâncias, seriam considerados tortura, desumanidade!


Então, recentemente, fui encarregado da programação de palestras do Rotary Club de Santos-Porto...

Pensei logo em convidar o Arte-Educador Renato di Renzo, que em 1989 revolucionou o Brasil com suas experiências no Hospital Anchieta, criando o Projeto "TAMTAM" (o tambor africano!).


Pensei que seria difícil, mas ele prontamente aceitou o convite, já escolhendo o tema: "TAMTAM: Saúde Mental, Arte e Cidadania".

No dia, ele dispunha de apenas 15 minutos para sua apresentação... Poderia ter falado por horas!

Santista nato, ele confessou estar muito feliz em ali estar porque, passados mais de 20 anos da ação no Anchieta, tornada referência mundial, poucas vezes fora convidado a falar sobre seus projetos em sua cidade natal.


Depois, falou apaixonadamente sobre seus conceitos e crenças, lembrando que a loucura nada mais é do que uma paixão desenfreada, daquelas que quase todos já tivemos; instantes em que convenções perdem seu poder limitador, abrindo espaço para os instintos, quando a criatividade humana atinge seu ápice e a arte se manifesta em estado puro.


Sua proposta no Projeto TAMTAM, hoje transformado em ONG, é de usar manifestações artísticas, que tem seu quê de loucura em relação à realidade, como ponte terapêutica para fazer o caminho inverso, melhorando a qualidade de vida de milhares de pessoas, reintegrando-as à sociedade.

A repercussão dessa proposta foi tão significativa que fundamentou a lei antimanicomial em vigor!

Concluiu com sincera emoção, relatando seus outros projetos de arte-educação e resgate de cidadania, como o "E aí, beleza?", que já levou ao palco do Teatro Coliseu gente que revelou jamais ter sonhado sequer passar diante dele, quanto mais nele atuar. Inclusão social!


Que belo trabalho, Renato! Que doida e contagiante paixão essa de ser louco por arte, pela arte e destarte transformar loucura em arte, auxiliando na cura, sem descartar, isolar ou continuamente dopar seres humanos!

Você mais do que nos provou que de médico, de artista e de louco todos precisamos ter um pouco!

 

Adilson Luiz Gonçalves

Mestre em Educação

Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

De quatro em quatro...

Recentemente, em conversa com um comandante militar, ouvi dele que nos próximos cinco anos o Brasil tornar-se-á, sem maiores esforços, a quinta economia global.






Tudo leva a crer que ele não está enganado, ainda mais depois da descoberta das reservas de gás e petróleo do “pré-sal”. Por analogia, o país seguiria, no âmbito nacional, caminho semelhante ao da Petrobras, como empresa.






No caso do Brasil, essa previsão de que tal evolução independeria de ações estratégicas, ou seja, seria quase que decorrência de inércia física, levou-me a perguntar: “E se houver iniciativas?”, e ouvir a resposta já esperada: “Imagine, então!”.






Essa euforia permeou e ainda permeia boa parte dos discursos eleitorais, reduzindo ainda mais o espaço para ideologias radicais, tanto que se fala mais em socializar a pobreza, mas em transformar o Brasil num país de classe média! Viva!






Mas meu maior temor, em meio a real expectativa de desenvolvimento que se afigura para o Brasil, não está na capacidade do povo brasileiro de se adaptar às demandas futuras, presentes ou em atraso. Anos de sofrimento tornaram nosso povo modelo de resiliência e superação. Já demos tanta volta por cima que estamos aptos e bem treinados para dar saltos ainda maiores, desde que nos dêem condições para tanto!






Mas nem tudo está em nossas mãos, pois, embora decidamos quem vai legislar e governar, não controlamos seus atos. Nosso voto simples vira “voto de qualidade” em suas mãos, mas não necessariamente para atender aos anseios do povo. Assim, minha maior preocupação não é com a capacidade de nosso país evoluir cientifica, tecnológica e economicamente, mas com a postura da maioria de nossos políticos no que se refere à evolução moral e ética.






Ninguém nega a importância do voto, obrigatório ou não! Mas qual a qualidade desse voto para o povo? Em que medida, de fato, ele vale para mudar algo que não está bom?






Até que ponto certas decisões podem ser tomadas sem um referendo popular? Por que não nos é dado definir algumas coisas de suma importância, como obrigar nossos legisladores ao voto sempre aberto, nominal, para que saibamos se eles cumprem seus votos eleitorais? Por que a transformação de territórios em estados e, depois, sua mutilação em reservas não pode ser definida em plebiscitos?






Mas só podemos apresentar projetos populares - o que dá um enorme trabalho! – ou votar. Mas tem quem vote “em branco” ou nulo, como forma de protesto ou por estar votando e andando para as eleições. Mas nem sempre quem vota num candidato o faz por opção: muitas vezes o faz por falta de opção.






Mas, o pior é que muitos políticos acreditam que os votos que os elegem lhes conferem “carta branca”, inclusive para esquecer promessas de campanha; mas nunca crêem que uma vitória apertada seja um “cartão amarelo” e uma derrota, um “cartão vermelho”. Outros, só pensam nas suas “bases” como suporte, em tempos de eleição, que logo após voltam a ser mero assoalho.






O Brasil vai “bombar”, sim! Mas o fará ainda mais se seu povo tiver cada vez melhores condições de estudo, saúde e trabalho. O céu será o limite, então, quando não precisar mais de assistencialismos e exceções para aprender a ultrapassar cada obstáculo que lhe for apresentado ou imposto apenas por sua competência, mérito e solidariedade!






No entanto, essa condição ideal depende de uma nova consciência nacional e de cidadania, que exige igual comprometimento de quem planeja e dirige o destino do país!






O povo brasileiro quer e merece mais! E nossos políticos têm que respeitar esse desejo, expresso pelo voto, mais do que suas “tradições”, “lealdades” e “ideologias”! Têm que ser ativos e diligentes na concretização desse auspicioso futuro, e não apenas nos quadrienais discursos requentados, deixando os eleitores de joelhos ou “de quatro” nesse entremeio.














Adilson Luiz Gonçalves



Mestre em Educação



Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor






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E-mails: algbr@ig.com.br e prof_adilson_luiz@yahoo.com.br

sábado, 2 de outubro de 2010

Voto Limpo

Empate no STF sobre a Lei da “Ficha Limpa”:
Ela estaria vigendo já para esta eleição? Ela é um “arremedo de lei”?
Então: persistindo esse impasse até depois das eleições, o voto para seu candidato valerá?

Bem, a pergunta não deveria ser essa, mas: porque você votaria em alguém que, agora ou depois, foi ou poderia ser tornado inelegível por esta ou outra lei, que vise a moralizar o acesso aos Três Poderes?

A essa pergunta, outras poderiam ser agregadas:
Você vota nele por amizade, interesse pessoal, coação partidária ou religiosa, protesto ou o quê, que não seja acreditar na honestidade e competência do candidato? Você o defende com unhas e dentes? E com a sua consciência? Você é cabo eleitoral, “pau mandado” ou “de galinheiro”, convicto, de algum deles?
Essas perguntas são necessárias porque, parafraseando o antigo ditado, nós somos responsáveis pelo “Mateus” que parimos ou adotamos! No caso de eleição, quando apoiamos ou votamos num indivíduo que está ou poderia estar enquadrado nesta lei assumimos, declarada ou anonimamente, a condição de cúmplices de seus atos. Quando o reelegemos, então...
Há muito tempo atrás, havia um lema oficioso de campanha que afirmava: “Rouba, mas faz!”.

É só isso que podemos esperar de quem escolhe a política?
Tenho certeza absoluta que não, e existem bons exemplos disso!
Mas, como quem adota esse lema chega “lá”? Pelo voto ou pela indicação de quem foi eleito! E como as urnas eletrônicas reduziram a níveis desprezíveis o risco de fraude eleitoral, não há desculpa: o nosso voto é o grande responsável por todas as consequências!

Pense bem: quando seguidos levantamentos internacionais apontam o Brasil como um dos países mais corruptos do mundo, quem você acha que está sendo julgado por isso?
E aí, a Lei da “Ficha Limpa” valerá ou não para essa ou outra eleição?
A resposta deveria vir de outra pergunta:
Precisa de lei para orientar quem tem consciência limpa, ou para identificar quem enriquece ilicitamente, pratica nepotismo ou desvia verbas que deveriam ser aplicadas à saúde e educação?

É certo que a propaganda e os discursos eleitorais não ajudam muito a revelar o caráter dos candidatos. Alguns até usam deliberadamente deles para desviar a atenção do eleitor do assunto. O que mais se aproxima dessa necessária revelação é o debate, mas mesmo ele - com todas as regras pré-estipuladas pelas assessorias políticas e orientações de “marketeiros” - também tem sua confiabilidade limitada. Há ainda as denúncias da imprensa, muitas delas plantadas por opositores, traidores ou preteridos.

São verídicas? Bem, isso depende de apuração e não de amordaçamento.
O ideal, embora nem sempre possível, é conhecer muito bem o candidato. E se você o conhece bem, inclusive o que o desabona moral e eticamente, e vota nele, como justificar, depois?

Valendo ou não a Lei da “Ficha Limpa”, o que realmente serve e vai levar o Brasil a um novo e necessário patamar de confiabilidade interna e externa é o voto de consciência limpa. E para isso não precisa de lei!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Os três macacos

Durante a infância, uma bronquite asmática me impedia de brincar na rua. A alternativa era ficar em casa e ver televisão ou folhear revistas e jornais. Mas, aquelas figurinhas miúdas, que chamavam de letras, eram um empecilho: eu precisava decifrá-las!

Meu pai trabalhava em três períodos. Minha mãe tinha todos os afazeres da casa. Meus irmãos tinham a escola e, abençoados, podiam brincar na rua. Talvez por isso, não tinham muita paciência de ler para um pirralho analfabeto e desdentado, ícone do subdesenvolvimento natural. Que saco!
Aos cinco anos de idade resolvi proclamar minha independência: “Quero ir à escola!”.

Meus pais disseram que ainda era muito cedo, pois a idade mínima para a escola pública era sete anos. Mas, diante de minha postura irredutível, apelaram para a criatividade:
Recebi uma malinha e a Cartilha Sodré - que já haviam servido aos meus irmãos -, um caderno do MEC e um lápis, e fui matriculado na “Escola do Seu Manoel”, com direito a ditados, leituras e lições de casa. Meu pai “lecionava” enquanto almoçava!

De repente, as letras passaram a fazer sentido! Sopa de letrinhas passou a ser meu prato preferido e nem bulas e embalagens escaparam de minha “fúria revolucionária”!
Às figuras, uniram-se os balões de texto, que deram lugar às imagens, com textos de rodapé; que foram substituídos pelos textos, com figuras em páginas intermediárias,  até que, finalmente, bastaram os textos: a imaginação já se tornara mais poderosa do que o traço dos ilustradores!
A alfabetização liberta!
Assim, livre, os jornais passaram a fazer parte, indissolúvel, de minha vida. Neles, eu lia o que ouvia, no rádio, e via, na televisão, outros companheiros inseparáveis.

A informação instrumenta!
Essas múltiplas fontes de informação mostravam ora coerência ora discrepância. As diferenças geravam dúvida, desconfiança ou curiosidade, que estimulavam ao raciocínio; e as conclusões pessoais começaram a moldar a arte final desse processo.
A consciência não deixa escravizar! Ou, no mínimo, rejeita a escravidão!
Será por isso que só a quarta parte da população brasileira é plenamente alfabetizada?

Bem, frações pequenas não sugerem dramaticidade. Que tal assim:
Três quartos dos brasileiros são analfabetos plenos ou funcionais, ou seja, não entendem o que lêem e mal sabem expressar suas idéias!
Isso não quer dizer, absolutamente, que 25% são expertos e 75% são tolos. Há uma enorme diferença entre ignorância e estupidez! Mas, de uma coisa não há dúvida: a alfabetização, a informação e o senso crítico são os antídotos para a ignorância, e os principais instrumentos para o desenvolvimento autônomo de um país!
Por isso a imprensa precisa ser livre!

A sociedade precisa do jornalismo investigativo, sério, independente e responsável para alimentá-la de dados que permitam análise e conclusão! Isso não deve ser cerceado, mas incentivado e assegurado pelas instituições, que também devem promover e prover educação e cultura para o povo!
Analfabetismo, ignorância, segredo e censura lembram a clássica figura dos três macacos: “Não falo! Não ouço! Não vejo!”.

Privados desses sentidos, não pensar é uma consequência quase inevitável! É quando o povo, em vez de macacos mudos, surdos e cegos, vira cordeiro, sacrificado todos os dias no sacrílego altar da violência e da corrupção institucionalizadas!

A democracia nunca existirá e ninguém jamais poderá se arvorar democrata enquanto promover, ignorar ou aceitar essas circunstâncias!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ridiculous again

Emerson Fittipaldi, em sua primeira temporada na F1, em 1970, deu o título de campeão ao seu companheiro de equipe, Jochen Rindt.
Isso parece familiar, não? Mas vale o seguinte esclarecimento:
Emerson batera o carro de Rindt num treino e cedeu o seu ao austríaco, claramente primeiro piloto da equipe Lotus e líder do campeonato, correr o GP de Monza. Rindt morreu, num acidente. Na última prova, Fittipaldi, que já vinha em ascensão, venceu sua primeira corrida, assegurando a Rindt o título, póstumo!
Eram os tempos românticos da F1, quando os pilotos mostravam que eram bons na pista. Época em que o Brasil surpreendia o “Primeiro Mundo”, desinformado e arrogante, com um piloto jovem, cerebral, genial!
Esse início foi muito bem seguido por José Carlos Pace, apesar da fama de azarado. Piquet, meu favorito, superou quase tudo para ser um dos maiores pilotos da história, intempestivo, briguento, voraz. Senna, que já havia conseguido muito – apesar de Prost -, não teve a paciência de Schumacher para esperar a Ferrari voltar a ser grande: preferiu a Williams...
A morte de Senna nos tirou do “olimpo” da F1, sem que houvesse um sucessor a sua altura. Será que era querer demais?
Sem desmerecer os dois vice-campeonatos de Rubinho, e um, de Felipe, o Brasil desceu aos infernos desse esporte. Massa, em 2008, esteve muito próximo de conquistar um merecido título mundial, mas foi prejudicado pela absurda negligência da Ferrari, em duas corridas. Depois, em 2009, sua ascensão foi tolhida por uma porca do carro de Rubinho: “porca miséria!”, como dizem os italianos.
O GP de Hockenheim, no entanto, parece mostrar que definitivamente fomos relegados à condição subalterna, humilhante, na F1:
Rubinho, na Ferrari, já havia cumprido ordens da equipe para deixar Schumi passar, “for the championship” (pelo campeonato), como ordenou Jean Todt, em 2002; Nelsinho Piquet protagonizou um lamentável episódio, em 2009, para beneficiar Alonso; e, agora, mais uma vez com um brasileiro, Alonso e Ferrari, Massa recebeu, pausadamente, a “informação” de que o espanhol estava mais rápido do que ele, pouco depois de mostrar que poderia estar à frente, e bem, desse inegavelmente bom piloto, mas extremamente arrogante e deselegante. Embora seja impossível afirmar o sentido do “Ridiculous!” de Alonso - a menos que ele próprio seja honesto em explicá-lo -, um piloto de alto nível reclamaria de uma defesa tecnicamente bem feita de uma posição?
É... Parece que temos um “karma” com espanhóis e pistas, sejam de aeroportos ou corrida... E com a Ferrari, também!
Massa é um piloto brasileiro e não o Brasil. Ele tem uma profissão, responsabilidades contratuais e contas para pagar. Sua carreira é um problema exclusivamente dele!
Mas o que dizer de nós, que ligamos a televisão, o rádio ou o computador na internet, aos domingos, para acompanhar uma competição e torcer por um brasileiro? Dá para fazer isso com um mínimo de motivação ou esperança de vitória quando seu companheiro de equipe estiver atrás, não necessariamente “na cola”?
“Ridiculous”, sim, tem sido acompanhar a F1 nos últimos 16 anos, e ter como única expectativa a de que alguém responda, pelo rádio do “cockpit”, para glória do esporte: - “Enough!” (chega!).
Mas também devemos refletir: e se fosse o contrário?
Por isso é que tenho saudades de Emerson, Piquet e Senna; e de Jackie Stewart e Nick Lauda, também! Esses, sim, eram esportistas: pilotos que sabiam acertar máquinas e ganhar por mérito!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Revés de um parto

“Oh, pedaço de mim! Oh, metade arrancada de mim,...”, diz uma letra da música de Chico Buarque, talvez a que mais me afeta emocionalmente.
Seu tema é a saudade...
Saudade que o poeta encontra várias formas de descrever, todas metaforicamente perfeitas, todas dolorosamente profundas. Saudade de coisas perdidas ou que se deixou de buscar ou acreditar. Saudade do que nos foi tirado inesperadamente, ou que, por mais que nos pensássemos resignados, nada é capaz de consolar.
Mas amores perdidos o tempo pode curar! E, hoje, já não são tantos os amores sinceros, que preconceitos e tolas tradições ainda teimem em separar.
É quando se encontra um desses amores que a gente entende o real sentido da vida e passa a vivê-la com uma intensidade que exterioriza luminosidade, que gera semente, que às vezes frutifica em mais vida e luz: é quando uma mãe dá à luz, e um pai acalenta ambos.
Nesse momento, deixamos de ser apenas andarilhos, na vida, para sermos guias e, até, caminho para nossos frutos.
No ciclo da vida, que é qual uma infindável corrida de revezamento, pais entregam vida aos filhos, e estes aos seus descendentes, num círculo virtuoso, que ninguém jamais sonharia em ver interrompido.
Nascemos, crescemos e tentamos aprender um pouco do mundo, da alma e de seus mistérios, antes que nosso tempo se esvaia e sejamos apenas lembrança, quem sabe saudade.
Quando isso é natural, fica mais fácil de entender uma perda. Uma longa vida que se encerra toca nossa alma, mas a ciência de que outras vidas dependem da nossa nos motiva a buscar forças para recobrar o alento e prosseguir.
Daí, ser pai foi algo que me tornou um ser humano melhor, apesar de todas as minhas limitações e defeitos renitentes. E a simples sensação de deixar essa condição me aflige de forma visceral. Creio que ninguém jamais estará preparado para isso, e que será precisa força sobre-humana para superar tal perda.
Por isso, toda vez que vejo quaisquer pais, famosos ou não, amigos ou não, chorarem seus filhos, isso me afeta e sempre me faz lembrar a música de Chico, que em sua mais aguda e definitiva comparação, resume que: “... a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Talvez não haja dor maior!
Mas, a essa lembrança sempre vem juntar-se outra, a das palavras cantadas de Renato Russo, quando afirma: “É preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã. Porque se você parar para pensar, na verdade não há!”.
Quem sabe assim, a saudade talvez seja mais amena, menos dorida, e a vida possa prosseguir, com campos ainda a semear.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

ANJOS E DEMÔNIOS


Não, este texto nada tem a ver com o livro de Dan Brown! Mas tem muito com o cotidiano, com a vida que tentamos construir e levar, como os sonhos e pesadelos que sonhamos ou nos fazem sonhar, dormindo ou acordados.
Todo dia saímos à rua, para buscar o futuro, esquecer o passado – corrigir seus erros, se possível – ou, simplesmente, viver o presente. É a uma etapa em nossa jornada que, sabemos, tem começo, meio e fim, e na qual tentamos contribuir com alguma coisa, e não ser apenas espectadores passivos ou massa de manobra dos desejos alheios.
Não é fácil viver, por mais que nos esforcemos para tanto. Queremos apenas plantar e colher o fruto de nosso trabalho, regado com nossa esperança. Estudamos, aprendemos e nos aplicamos para isso, acreditando que crer é suficiente, mesmo sabendo que nossos esforços nem sempre bastam para enfrentar as forças adversas, muitas delas invisíveis, que se apresentam no caminho.
Qual seria o sentido da vida se não acreditássemos nisso? O que nos restaria de humano e divino se simplesmente aceitássemos seguir sem ter nenhum controle sobre o rumo?
Com tantas interferências, nossa caminhada pode estar cheia de perigos e ameaças, nem sempre identificáveis, e que às vezes vêm de onde menos ou nunca se espera!
Como as incertezas podem ser bem maiores do que as certezas, pedimos, rezamos e oramos por proteção divina, para que sejamos livres de todos os males. E mesmo quem não pede esse tipo de proteção já deve ter sentido que teve algum tipo de proteção, ou que sofreu algum mal cujo motivo era inexplicável.
Crendo ou não, há muito mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia, já dizia Shakespeare. Isso vale para a Dinamarca, como para qualquer ambiente: escola, trabalho, grupo social, etc.
De onde vem o divino bem que nos protege do mal que não vemos? De Deus, sem dúvida! Mas Ele tem seus anjos, alguns dos quais conhecidos como anjos da guarda. Muitas vezes eles são de carne e osso e exercem o bem ao evitarem que um mal seja perpetrado contra inocentes, sem que eles saibam quem o articulara. Sua bondade é tão grande que também alivia o ônus moral e espiritual do maldoso, embora a maioria destes seja imoral e alguns até se usem o nome de Deus para legitimarem suas maldades físicas ou psicológicas.
Esses últimos são os demônios de plantão, em grande parte também humanos, ao menos na forma orgânica. Eles não precisam possuir corpos para lhes fazerem mal: basta terem poder externo sobre suas vidas. E o poder nas mãos erradas, sejam elas: incompetentes, temerárias, orgulhosas, desmioladas ou sádicas pode gerar muito mal, às vezes travestido de boas intenções, daquelas de que o inferno está cheio, junto com os bem-intencionados que as tiveram.
Esses anjos da guarda e demônios de plantão estão em toda parte, travando uma luta diária por nossas almas: os primeiros sem nada pedir, os últimos tirando tudo o que podem, mesmo que não precisem. Uns zelando por nosso bem, outros perseguindo e destruindo, por estupidez ou prazer, transferindo suas culpas, erros e baixeza para o objeto de sua maldade e ainda alardeando que estão pensando num bem maior.
Hitler e Stálin provavelmente pensavam assim...
A nós, pobres mortais, resta continuar acreditando que podemos, com fé em Deus, remover os obstáculos que os demônios de plantão, infelizmente cada vez mais poderosos, motivados, dissimulados e bem organizados nos impõem; e agradecer a doce atenção e perseverança obstinada dos anjos da guarda que, contra todas as tendências e facilidades oferecidas pelo mal, persistem em nos proteger.
Que Deus os abençoe! E a nós também.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Entre Braços e Abraços

A França chegou à Copa de África carregando um pesado fardo, pois a imprensa mundial não perdoou sua classificação pela mão de Thierry Henry!


O curioso é que todos desculparam o gol de Maradona contra a Inglaterra, em 1986...


A única explicação que encontro, nesse caso, é que ninguém perdoa os ingleses pelo título de 1966, que também foi muito parecido com o da Argentina, em 1978. Assim, parece que acharam justo que nuestros hermanos revidassem nas quatro linhas o revés ainda recente da Guerra das Malvinas.


Franceses ou argentinos, não havia muita diferença entre os dois casos, só que é mais fácil ficar ao lado da Irlanda do que a favor da França. No mais, no calor do jogo, bola na mão ou mão na bola sempre pode acontecer e cabe ao árbitro interpretar cada lance. O mesmo vale para as jogadas corpo a corpo e divididas em geral e, nesse âmbito, o jogo Brasil x Costa do Marfim teve um pouco de tudo.


Para começar, não gostei da escalação de arbitragem francesa, afinal, querendo ou não existe uma ligação cultural relativamente forte entre a França e este país africano, que começa com o próprio nome do país Côte d'Ivoire. O desenvolvimento do jogo mostrou que eu não estava de todo errado, pois, principalmente depois do terceiro gol brasileiro, os marfinenses começaram a bater pesado, sem que o árbitro tomasse atitudes mais rígidas. Duas soladas homéricas - uma que tirou o incansável Elano do jogo, de forma alarmante - foram punidas de forma extremamente branda, enquanto Kaká, caçado em campo, foi punido com um amarelo e, depois, numa encenação grotesca do jogador africano, expulso.


Felizmente, já era tarde para uma reação adversária, embora Drogba tenha reduzido.


Por sorte, os franceses também gostam de futebol bonito e, com certeza, o árbitro ficou tão encantado como nós e o público do estádio e mundo inteiro, quando o Fabuloso Luís Fabiano, num lance espetacular, usou a cabeça, dois chapéus, os braços - duas vezes - e toda categoria que Deus lhe deu para marcar um golaço. Ninguém no mundo teria anulado aquela jogada. Seria um pecado mortal!


Ok, seo juiz: ta perdoado por expulsar o Kaká!


Além disso, o Dunga já deveria tê-lo tirado depois do cartão amarelo. Mas isso também não tem problema, pois, já o Brasil já está classificado, Kaká está melhorando tecnicamente, o time está subindo de produção, Nilmar pode entrar no próximo jogo, dando tempo para o camisa 10 evoluir fisicamente e voltar zerado para a próxima fase.


Para tudo dá-se um jeito!


O resultado foi justo e mostrou as duas apostas de Dunga dando resultado, com Kaká tendo sido decisivo e Luís Fabiano marcando dois. Elano marcou mais um, numa belíssima antecipação, antes de ser covardemente solado por um marfinense. Deus queira que ele se recupere rapidamente, pois ele precisa e merece ser titular desse time.


A defesa brasileira continua firme, com um Lúcio que não cansa de nos impressionar e um Júlio César que saiu muito bem, quando preciso, e não teve culpa no gol.


Resumo da ópera: estamos classificados e mostrando um futebol convincente no segundo tempo. Até Felipe Melo não comprometeu!


Bem, agora é esperar o jogo contra o Portugal para tentar consolidar a liderança do grupo.


Estamos fazendo a lição de casa, mas ainda precisamos estudar mais para, na técnica, na garra e, até, no braço, gritar gol e sair para o abraço!


Vamos nessa Brasil!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Memórias do Rádio Esportivo


Comecei a acompanhar narrações esportivas mais atentamente por volta dos 11 anos de idade, no início da década de 1970.
O tipo de narração era mais ou menos padrão: um speaker de voz poderosa e rápida, estilo turfe; um comentarista de voz lenta e doutoral; e um ou dois repórteres de campo, além do plantão esportivo, que informava resultados de outros jogos.
Em Santos, eu costumava escutar a Rádio Atlântica, cujo narrador era Walter Dias, com comentários de Jorge Shammas e reportagens de João Carlos, o corisco dos repórteres. É verdade que várias vezes a torcida já estava gritando gol e o narrador ainda estava no meio de campo. Lembrando disso, me veio à mente o impagável esquete do narrador de futebol gago, imortalizado por Zé Vasconcellos...

Quando o Santos FC jogava clássicos, no entanto, eu preferia ouvir a Rádio Nacional de São Paulo, que tinha Pedro Luiz, Mário Moraes, Juarez Suares e Roberto Carmona.
Aí, um dia, eu passeava pelo dial do rádio de pilha quando descobri a Jovem Pan.

O estilo narrativo era irresistível, a começar por Osmar Santos, que reinventou a transmissão esportiva, trazendo a ?firula? do campo para a voz. Não foi à toa que passou a ser chamando de Pai da Matéria.
Os outros narradores da Pan eram apenas José Silvério e Edemar Anusek! Os comentaristas também eram supimpas: Orlando Duarte e Cláudio Carsughi, com seu sotaque italiano indefectível, ainda mais preciso quando acompanhava o Velho Barão, Wilson Fittipaldi, nas corridas de Fórmula 1, nos tempos de Emerson, Wilsinho e José Carlos Moco Pace. No campo, desfilavam Fausto Silva (o Faustão) e Wanderley Nogueira; equipe que teve, mais tarde, o aporte de um jovem cabeção de Muzambinho: um tal Milton Neves... Mas, o que mais me surpreendeu foi o que veio depois do futebol e antes do Terceiro Tempo, que na época era um noticiário geral, de fim de domingo da emissora. O nome desse programa resumia com absoluta perfeição o que ele era: Show de Rádio. Seus protagonistas: Estevam Sangirardi, Nelson Tatá Alexandre, Carlos Roberto Escova, Odayr Batista e, algum tempo depois, Serginho Leite. Eles personificavam personagens hilários, que representavam, entre outros, cada time grande de São Paulo: o Palmeiras tinha a Nona, o Fumagalli e o cachorro Vardema Fiúme; o Corinthians tinha o Zoca Zifio, o Pai Jaú e a Nega; o São Paulo tinha o Lorde Didu Morumbi e seu mordomo corintiano, sistematicamente assim chamado: - Archibald! Archibáaáaáaáald!; e o Santos tinha dois portuários: o Zé das Docas e o Lança-Chamas, este invariavelmente bebaço e, entre um cochilo e outro, perguntando: - O Santos joga hoje?

Os domingos e quartas-feiras terminavam mais felizes, e eu, ainda menino, tinha a ilusão da eternidade das coisas boas... Até que a Rádio Globo de São Paulo, sucessora da Nacional, resolveu contratar Osmar Santos e, de quebra, levou Faustão, Tatá e Escova, provocando o que foi uma das maiores disputas entre emissoras da época, com direito a editoriais e acusações de assédio.
Osmar Santos, que vivia a dizer para os jogadores mascarados: Desce daí! Desce daí, que você não ta com essa bola toda!, virou o Pai do merchandising, mandando tanto Oi, fulano! Oi, sicrano!; que a torcida já estava gritando gol, quando ele se tocava que tinha um jogo em andamento. Na nova casa foi criado o Largo da Matriz, programa nos moldes do Show de Rádio e, logo em seguida, Faustão, Tatá e Escova começaram a apresentar a primeira versão do caótico Perdidos na Noite, na TV Gazeta, que depois foi para a Band e, mais adiante, o então gordinho (Ô loco, meu!) foi sozinho para perpetrar o Domingão do Faustão, na Globo.

As transmissões esportivas radiofônicas voltaram a ficar resumidas aos jogos, plantões esportivos e programas muito parecidos entre si, cujo diferencial único estava num narrador ou comentarista mais espirituoso.
Ainda bem que existe o Na Geral, da Rádio Bandeirantes, que conta com um gênio Beto Hora. É impressionante como ele consegue interpretar três personagens brigando entre si, ao mesmo tempo! Mudar de um tipo para outro, entre dezenas, sem perder o rumo! E ainda dar opiniões sérias por esses alteregos.

Esse é um dos muitos fascínios do rádio, talvez o maior deles, só comparável à leitura: mexer com nossa imaginação!

Esse é um dos muitos fascínios do rádio, talvez o maior deles, só comparável à leitura: mexer com nossa imaginação!

Por essas e por outras é que, em suas múltiplas e dinâmicas facetas, o rádio vive em constante processo de reinvenção de si próprio e, quando bem utilizado: informa, entretém, educa e também sabe ouvir.