quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Outros Carnavais

Era o ano de 1965:
Eu tinha cinco anos de idade e morava num bairro simples e tranquilo, onde as crianças podiam brincar na rua, sem sustos.
Só havia casas e as portas podiam ficar destrancadas durante o dia. O único senão era o casarão da esquina, único com muros altos, onde nunca víamos ninguém. Era a nossa casa mal-assombrada!
De noite, nos dias quentes, as pessoas colocavam cadeiras nas ruas e todos conversavam. Havia respeito, confiança e amizade.
Nosso quintal tinha mamoeiro, nespereira, laranjeira e uma horta bem diversificada, com canteiros e cercas. E olhem que o terreno tinha apenas cinco metros de largura! Mas eram as carambolas da Dona “Zalé”, vizinha predileta, o objeto de desejo. O dinheiro era curto, mas a felicidade não tinha preço.
O Carnaval era uma brincadeira inocente. Havia malícia e sensualidade, sem dúvida, mas também havia limites consensuais.
Todos os clubes tinham bailes e sempre estavam cheios, como os campos de futebol de então. Havia bailes públicos nas ruas, desfiles de fantasias e escolas de samba sem a pompa e circunstância de hoje, mas com alegria despretensiosa.
Os grandes artistas ainda compunham marchinhas para a época. Havia batalhas de confete, corsos e encontro de blocos, onde o máximo que acontecia era um jogar farinha e água (água mesmo!) no outro.
Pais e filhos caminhavam de mãos dadas entre foliões fantasiados.
As brincadeiras eram consentidas. Havia quase uma cumplicidade de todos.
Tudo era uma grande e democrática festa!
O clima contagiava todos e as pessoas se olhavam e se relacionavam sem tanto preconceito e formalidade.
Se para as crianças tudo já era uma grande festa e fantasia, o Carnaval era o ponto culminante!
Um dia, um vizinho, dono de um caminhão de aluguel, resolveu convidar todas as crianças da rua para dar um passeio. Os pais nem titubearam: “Podem ir!”.
O caminhão era um Ford da década de 1920, daqueles que a partida era na base da manivela. Ninguém se importou, pois além de quase ninguém ter carro, fazia sucesso na televisão a série “Comedy Caspers”, com vários personagens do cinema mudo, entre eles um grupo de crianças que tinha um parecido.
Subimos todos na carroceria, munidos de confete e serpentina, e iniciamos nossa pequena odisséia pelas ruas da cidade.
Saudávamos e éramos saudados por todos! Outras crianças corriam, tentando pegar nosso véu de serpentinas ou dar-nos um “caldo”. As buzinas faziam coro.
Foi a primeira e última vez que fiz esse passeio, pois no ano seguinte mudamos de bairro, para um apartamento. Pouco depois, soubemos que a Dona “Zalé” falecera.
As fantasias de infância foram desaparecendo, queimadas pelo amadurecimento precoce, e a vida virou, por um longo tempo, uma Quarta-Feira de Cinzas.
A cidade perdeu seu jeito inocente. As pessoas não convivem mais nas ruas, mas em grupos “seletos” e fechados, que vivem de querer tudo para si e nada para os outros. Mas a casa e as lembranças daquele carnaval ainda estão lá!
Curiosamente, lá se vão mais de quarenta anos. Uma quaresma!
Graças a Deus, não precisei de tanto tempo para ressuscitar a crença em dias melhores. Hoje sei que mesmo os dias que parecem ruins, são prenúncios de melhores, pois, mal sabia eu, minha Colombina, que só conheci muitos anos depois, morava a poucos metros daquele apartamento sem glamour nem quintal.
Hoje, fazemos parte do bloco da esperança, que precisa sair para desfilar, jogar seus confetes e serpentinas, e trazer o povo para as ruas, para voltar a se conhecer, conviver e respeitar.
Que tal vir para esse bloco também, “Seja você quem for, seja o que Deus quiser. Seja você quem for, seja o que Deus quiser”?

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Lindas de Morrer


O padrão de beleza feminino é historicamente relativo:
Até a Renascença a moda era ser gordinha, pois magreza era considerada sinal de doença, num período marcado por pouca higiene e, por consequência, grandes epidemias.
Logo em seguida os excessos adiposos foram confinados em sufocantes espartilhos. De certa forma, esta moda perdurou até a década de 1950, pois as principais atrizes de Hollywood, que eram, digamos, bastante voluptuosas, tinham que usar vestidos dois números menores para realçarem ainda mais suas formas. Jane Russel que o diga... Em suma, em algum momento alguém estabeleceu que beleza era sinônimo de sofrimento físico, semelhante à máxima do boxe: "No pain, no gain!".
Obviamente, esses padrões só prevalecem para quem se dispõe a segui-los. E existem muitas mulheres dispostas a fazê-lo.
O que se vê é pouca preocupação com o bem-estar e muita com os padrões de beleza impostos pelo mercado. E vale tudo para estar na moda, desde usar "modelitos", acessórios e maquiagens que beiram ao ridículo (mas basta tirá-los para voltar ao normal), até danos ao corpo, como "piercings" e tatuagens, que transformam seres normais em híbridos do monstro de Frankenstein com membro da Yakuza. Afinal, "Moda é moda!": celebração das aparências!
Mas o que mais preocupa é o fascínio que o mundo "fashion" exerce sobre meninas cada vez mais jovens e imaturas, agravado por pais "distraídos" e recrutadores, agentes e clientes insensíveis. Porque tantas se lançam de corpo e alma, mas sem muito raciocínio, nesse universo de luzes e imagens?
Os meninos querem ser jogadores de futebol: atléticos, fortes, rápidos... Já as meninas querem ser modelos: magérrimas e frágeis!
Para muitas delas, mesmo antes do início da adolescência, "manter a forma" é uma obstinação recheada de dietas doidas, cirurgias e "malhações" insanas. O corpo, magro e alto, em vez de sadio e bem cuidado fica susceptível a doenças típicas do meio, tais como: anemia, anorexia e bulimia. Seria curioso ver quem define esses padrões estéticos subnutridos desfilar nas passarelas... Será que eles os seguem? Além disso, é tragicômico verificar que, num mundo onde milhões de pessoas morrem de inanição, esqueléticas por falta de alimento ou por não ter dinheiro para comprar o que comer, milhares de jovens passam fome e ficam esquálidas para alcançar fama e dinheiro!
O limite entre o profissionalismo e a neurose é quase imperceptível, e as implicações psicológicas podem assumir proporções de uma bola de neve descendo a montanha.
É natural buscar ser atraente, mas quando isso põe a saúde e a vida em risco, as tragédias mitológicas de Narciso e Helena de Tróia passam a fazer todo o sentido: A beleza vira um fardo... Um castigo!
Mas de quem é a culpa? Da imaturidade? Da ambição? Do mercado, que joga com o inconsciente das pessoas para impor modas (ou melhor, seus interesses comerciais) como se fossem "tendências"? Ou da sociedade, que se submete a esse "jogo"; que em nome do "glamour" consome meninas que via de regra são selecionadas aos 13, atingem o "auge" aos 18, estão "decadentes" aos 25 e entram em depressão aos 28, quando não piram ou morrem, antes?
Enquanto a “ditadura da moda” mantiver essas exigências, quem escolhe esse rumo precisa estar atento para não perder, literalmente, os sentidos ou a vida!
A vida é bela! E não há beleza física - efêmera, por natureza - que justifique seu desperdício ou perda!

Adilson Luiz Gonçalves
Mestre em Educação
Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e Compositor